O frevo tem dessas coisas. A gente canta, toca, estuda, mas, de repente, uma música atravessa a gente de um jeito que não tem volta. Foi exatamente isso que aconteceu comigo neste carnaval ao cantar Quem sou eu pra te esquecer, de Getúlio Cavalcanti.
Getúlio é o maior compositor de frevo de bloco que esse planeta conheceu até hoje. Sua obra é cheia de clássicos, mas essa canção relativamente nova, lançada em 2012, me pegou de um jeito que eu não tava esperando. A música venceu o Concurso de música carnavalesca 2011 (Recife), já havia sido lindamente registrada pelo Coral Edgard Moraes, – que, aliás, tive a honra de cantar em uma gravação dirigida pelo Maestro Duda (mas isso fica pra outro texto). O curioso é que eu já tinha estudado a canção, sabia cada curva melódica, cada palavra dos versos, mas só no domingo de carnaval (2 de março) ela realmente me encontrou.
Duas apresentações na mesma noite. Primeiro, em Olinda, em frente ao Mercado Eufrásio Barbosa. Depois, em Timbaúba, no coreto no meio da praça. E foi nesse coreto que tudo se abraçou num laço inesperado. Me lembrei do coreto que ficava em frente à minha casa, em Serra Talhada, onde tantas vezes sonhei em cantar. Nunca aconteceu. Mas ali, naquela noite, em Timbaúba, era como se o tempo tivesse dado um jeito de consertar essa lacuna.
Ainda em Olinda, na segunda repetição da música, senti um aperto diferente. Ainda não tinha entendido o que era. Pegamos a estrada (BR-408) e, na última cadeira da van, fui solfejando baixinho a melodia, já sem muito controle do que estava acontecendo comigo. Quando subi ao coreto em Timbaúba, foi avassalador. Quase não consegui cantar. Não sei explicar e nem tenho a intenção. Só sei que, desde então, não paro de cantá-la. Me pego cantando lavando os pratos, tomando banho, aguando as plantas.
O caminho da melodia, as metáforas poéticas da letra, a emoção de me perceber ali, ao lado de Getúlio e sua família, vendo o povo cantar junto. Sei que esse momento está bem guardado, impresso na memória com toda força de um frevo. E sei também que voltarei a falar dele. Se puderem, escutem essa música com carinho.
Leiam a letra, sintam a grandeza da criação de Getúlio Cavalcanti. Quem sabe ela também não atravessa vocês?
QUEM SOU EU PRA TE ESQUECER
Getúlio Cavalcanti
Brinca Comigo Nessa Fantasia
É Tudo Que Eu Quero
Faz Do Meu Beijo Tua Alegoria
Mil Anos, Espero
Somos Parceiros Nessa Nau Perdida
Que O Tempo Balança
O Nosso Amor É Devoção De Vida
Mesmo À Deriva Vive De Esperança
Abre Teus Braços Pra Mim
Diz Que Nós Somos Iguais
Nossa Distância Tem Fim
Nosso Desejo É Voraz
Sou Pirilampos Que Renasceu
Voltando Alegre Ao Saber
Que Nosso Amor Não Morreu
Quem Sou Eu Pra Te Esquecer
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